O Fatiamento de Demandas: Riscos, Abusos e Consequências no Sistema Jurídico Brasileiro
Por Henrique Parada
- O que é o Fatiamento de Demandas?
O fatiamento de demandas consiste na fragmentação artificial de litígios que poderiam ser resolvidos em um único processo judicial. Essa prática é geralmente utilizada com a intenção de obter vantagens processuais, como a multiplicação de decisões favoráveis ou o prolongamento do desfecho judicial, por meio da sobrecarga do sistema. Embora em certos casos específicos o desmembramento possa ser legítimo — por exemplo, diante de matérias tecnicamente distintas —, o fracionamento injustificado é amplamente criticado pela doutrina e jurisprudência.
Humberto Theodoro Júnior destaca que “a multiplicação desnecessária de processos, quando não há justificativa razoável para tanto, compromete o princípio da economia processual, que busca resolver o litígio de forma integral e eficiente” (Curso de Direito Processual Civil, Forense, 2015, p. 108). Assim, o fatiamento de demandas deve ser analisado com cautela, pois, em muitos casos, revela-se como uma prática contrária à boa-fé processual.
- Por que o Fatiamento de Demandas é Temerário para o Sistema Jurídico?
O sistema jurídico brasileiro já enfrenta desafios significativos relacionados ao excesso de judicialização e à morosidade processual. Nesse contexto, práticas como o fatiamento de demandas sobrecarregam ainda mais o Judiciário, comprometendo sua capacidade de entregar uma prestação jurisdicional célere e eficiente. Ada Pellegrini Grinover observa que “o processo não deve ser utilizado como instrumento para agravar o litígio ou dificultar sua resolução, mas sim como meio para garantir a pacificação social” (Acesso à Justiça, RT, 2005, p. 132).
Além disso, essa prática pode gerar decisões conflitantes entre os processos relacionados, prejudicando a uniformidade do entendimento judicial. Isso compromete a segurança jurídica e a confiança das partes no sistema, que passa a ser visto como palco de manobras estratégicas em vez de um meio para a realização da justiça.
- O Fatiamento de Demandas como Abuso de Direito
O fracionamento injustificado de litígios enquadra-se como abuso de direito, conforme o disposto no artigo 187 do Código Civil, que considera ilícito o exercício de um direito que exceda os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pela finalidade social e econômica do direito. Nelson Rosenvald destaca que “no plano processual, o abuso de direito manifesta-se em condutas que desvirtuam os instrumentos legais, comprometendo a funcionalidade do sistema e os direitos da parte adversa” (Novo Tratado de Responsabilidade Civil, Saraiva, 2015, p. 354).
Quando o fatiamento é utilizado para prolongar o litígio ou para criar obstáculos à solução integral do conflito, a parte que o promove assume o risco de ser responsabilizada por litigância de má-fé. O Código de Processo Civil, em seus artigos 80 e 81, prevê sanções severas para práticas que configuram abuso processual, incluindo multa, indenização por perdas e danos e honorários advocatícios.
- Os Riscos para Quem Pratica o Fatiamento de Demandas
As partes que promovem o fatiamento de demandas estão sujeitas a diversos riscos. O principal deles é a possibilidade de condenação por litigância de má-fé, prevista no artigo 80 do CPC, que inclui sanções como multa de até 10% do valor da causa e indenização pelos prejuízos causados. Além disso, os tribunais têm aplicado penas severas em casos de abuso, reconhecendo que tais práticas prejudicam não apenas a parte adversa, mas também a coletividade, ao sobrecarregar o sistema.
Outro risco significativo é a perda de credibilidade perante o magistrado, o que pode resultar em decisões desfavoráveis no curso do processo. Conforme Humberto Theodoro Júnior, “a conduta abusiva no processo compromete a confiança na parte que a adota, dificultando a obtenção de um julgamento favorável” (Curso de Direito Processual Civil, Forense, 2015, p. 92).
- A Responsabilidade do Advogado no Fatiamento de Demandas
Além das partes, os advogados que adotam essa prática de forma deliberada podem enfrentar riscos éticos e legais. O Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estabelece que o advogado deve atuar com probidade, boa-fé e respeito ao Poder Judiciário (art. 2º, § 2º). A adoção de estratégias processuais abusivas, como o fatiamento de demandas, pode configurar infração ética, sujeitando o profissional a sanções disciplinares, incluindo suspensão e, em casos graves, exclusão dos quadros da OAB.
Ademais, o advogado pode ser responsabilizado civilmente por danos causados ao cliente ou à parte adversa, caso fique demonstrado que sua conduta abusiva gerou prejuízos diretos. Conforme ensina Fredie Didier Jr., “o advogado é corresponsável pela regularidade da atuação processual, devendo evitar condutas que desvirtuem a finalidade do processo” (Curso de Direito Processual Civil: Parte Geral, Juspodivm, 2017, p. 314).
- Indenização Contrária e Abuso de Direito de Defesa (Art. 187 do Código Civil)
O artigo 187 do Código Civil desempenha um papel central na repressão ao abuso de direito no âmbito processual. Este dispositivo estabelece que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, exceda manifestamente os limites impostos pelo fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. No contexto do abuso do direito de defesa, essa regra é frequentemente aplicada para coibir práticas que desvirtuem o contraditório e a ampla defesa, transformando esses direitos em instrumentos de obstrução da justiça.
Além das sanções previstas no CPC, como multa por litigância de má-fé (art. 80) e condenação por perdas e danos (art. 81), a aplicação do artigo 187 reforça a possibilidade de responsabilização por danos morais e materiais. Como explica Nelson Rosenvald, “o abuso do direito de defesa não é apenas uma violação às regras processuais; ele agride os fundamentos éticos do sistema, sendo passível de reparação integral dos prejuízos causados” (Novo Tratado de Responsabilidade Civil, Saraiva, 2015, p. 360). Assim, a parte prejudicada pelo fatiamento de demandas pode pleitear indenização não apenas pelos custos adicionais gerados, mas também pelos danos morais sofridos em razão da conduta abusiva.
Conclusão
O fatiamento de demandas é uma prática que compromete a eficiência do sistema judicial, viola princípios fundamentais do processo e caracteriza abuso de direito. As partes e advogados que adotam essa estratégia estão sujeitos a riscos significativos, incluindo condenação por litigância de má-fé, sanções disciplinares e responsabilidades indenizatórias. O artigo 187 do Código Civil, aliado às disposições do CPC, constitui uma ferramenta essencial para combater tais práticas, assegurando que o processo judicial seja utilizado como instrumento para a realização da justiça e não como meio de obter vantagens indevidas. A responsabilização rigorosa é essencial para preservar a ética processual e a confiança no Poder Judiciário.