Como os Meios de Resolução Prévia de Conflitos podem Combater a Judicialização Excessiva e Fraudulenta
Por Henrique Parada
A judicialização excessiva no Brasil tem se mostrado um dos principais desafios para a eficiência do sistema judiciário, especialmente nas demandas envolvendo relações de consumo. Estima-se que mais de 25% das ações judiciais que ingressam anualmente no Judiciário brasileiro tratam de conflitos de consumo, representando uma sobrecarga significativa para os tribunais e prolongando a resolução de casos. No entanto, apenas cerca de 11% dessas ações passaram previamente por canais de resolução de conflitos, como os oferecidos pelas próprias empresas, pelo Procon ou pela plataforma Consumidor.gov.br. Esses canais têm mostrado um alto índice de resolução, com mais de 80% dos casos solucionados antes da judicialização quando utilizados. Isso sugere que muitos litígios poderiam ser evitados se houvesse uma maior utilização desses mecanismos.
Além do excesso de processos, o Judiciário também enfrenta o problema da judicialização fraudulenta, caracterizada pela atuação de agentes que captam irregularmente autores para ações judiciais, muitas vezes falsificando documentos e procurações, ou enganando consumidores para obter procurações com finalidades diferentes das declaradas. Esses casos comprometem a integridade do sistema de justiça, conforme pontua Cássio Scarpinella Bueno, ao destacar que “a má-fé processual e a utilização indevida dos instrumentos do processo são obstáculos que comprometem a integridade do sistema de justiça, exigindo do legislador e do Judiciário mecanismos que inibam essas práticas.”
Diante desse cenário, o presente artigo busca discutir como a obrigatoriedade da passagem prévia por canais de solução de conflitos pode ser uma ferramenta eficaz para reduzir tanto a judicialização excessiva quanto a fraudulenta, promovendo um sistema mais eficiente e alinhado com os princípios do acesso à justiça. A proposta, inspirada em experiências bem-sucedidas da Austrália e da União Europeia, sugere que essa passagem prévia possa ser realizada tanto pelo consumidor quanto por advogados em seu nome, utilizando-se de procurações e garantindo a formalização do processo. Ao final, pretende-se provocar uma reflexão sobre a necessidade de encontrar formas alternativas e eficientes de resolução de conflitos, que contribuam para desafogar o Judiciário e promover uma justiça mais célere e acessível.
Judicialização Excessiva e Judicialização Fraudulenta: Conceitos e Impactos
A judicialização excessiva pode ser definida como o fenômeno de levar ao Judiciário um volume elevado de litígios que, em sua maioria, poderiam ser resolvidos por meio de outras formas de negociação e conciliação. No contexto das relações de consumo, essa prática reflete a falta de uma cultura de resolução extrajudicial de conflitos, o que gera sobrecarga para o sistema de justiça e prolonga a solução de disputas que poderiam ser resolvidas de forma mais ágil. Kazuo Watanabe observa que “a busca por métodos alternativos de solução de conflitos, prevista no CPC de 2015, é uma forma de tornar a justiça mais acessível e eficaz, permitindo que o Judiciário se concentre em casos mais complexos e que demandem sua intervenção direta.”
Já a judicialização fraudulenta consiste no uso indevido do sistema judiciário, em que agentes, muitas vezes sem escrúpulos, captam autores para ações judiciais de forma irregular, utilizando documentos falsos ou procurações obtidas de maneira enganosa. Teresa Arruda Alvim Wambier destaca que “a proteção contra a judicialização abusiva é essencial para preservar a função do Judiciário como instância de resolução de conflitos, devendo ser adotadas medidas que desestimulem o uso indevido da máquina judiciária.”
Estudos recentes mostram que as ações de consumo representam mais de 25% das demandas que chegam ao Judiciário brasileiro anualmente, segundo dados do CNJ. Esse cenário aponta para a necessidade de soluções que possam reduzir o volume de litígios e evitar o uso abusivo dos recursos judiciais.
Meios de Resolução Prévia de Conflitos: Conceitos e Vantagens
Os meios de resolução prévia de conflitos incluem a mediação, a conciliação e plataformas online, como o Consumidor.gov.br. Esses mecanismos visam solucionar disputas antes que sejam levadas ao Judiciário, promovendo um ambiente de diálogo entre as partes. A vantagem central desses meios está na sua capacidade de resolver conflitos de forma rápida, sem a necessidade de intervenção judicial, o que resulta em uma economia de tempo e recursos tanto para o Estado quanto para os envolvidos. Humberto Theodoro Júnior observa que “a eficiência processual é um princípio que deve nortear toda a atividade jurisdicional, buscando sempre a melhor forma de resolver os conflitos com o menor custo e o menor tempo.”
Quando a passagem prévia por canais de atendimento das empresas ou plataformas como Consumidor.gov.br é utilizada, há uma significativa redução no número de processos que chegam ao Judiciário. Como demonstrado, dos 11% de casos que passam por esses meios, 80% são resolvidos, evitando assim a necessidade de uma ação judicial. Isso não só agiliza a resolução para o consumidor, mas também permite que os tribunais se concentrem em casos mais complexos que realmente demandam uma intervenção judicial. Luiz Guilherme Marinoni pontua que “a desjudicialização não deve ser vista como um retrocesso ao acesso à justiça, mas como uma estratégia de eficiência que busca soluções que atendam às partes de forma mais célere e satisfatória.”
Estudo Comparativo de Experiências Internacionais
A experiência internacional oferece exemplos relevantes sobre a eficácia dos mecanismos de resolução prévia. Na Austrália, o Tribunal Civil e Administrativo de Victoria (VCAT) adota uma abordagem que incentiva fortemente a tentativa de resolução extrajudicial antes de levar o caso ao tribunal. Essa prática resultou em uma significativa redução do número de litígios, permitindo que os tribunais se concentrem em questões que realmente necessitam de uma decisão judicial.
Na União Europeia, a plataforma de Resolução de Litígios Online (ODR) permite que consumidores e comerciantes solucionem suas disputas de forma eletrônica. A plataforma tem sido eficaz em evitar que pequenas disputas de consumo cheguem aos tribunais, promovendo acordos que são formalmente registrados e respeitados pelas partes.
Esses modelos mostram que a utilização de meios de resolução prévia pode ser uma ferramenta poderosa para reduzir a sobrecarga judicial e assegurar uma solução mais ágil para os consumidores, ao mesmo tempo que preserva a integridade do processo.
Proposta de Implementação de Solução Prévia no Brasil
Para o Brasil, a proposta envolve a obrigatoriedade da passagem por canais de resolução prévia, que poderia ser realizada diretamente pelo consumidor ou por advogados em seu nome, utilizando procurações. Essa passagem incluiria não apenas os canais de atendimento internos das empresas, mas também plataformas como o Consumidor.gov.br e os PROCONs.
A plataforma seria gerida pelo governo, com proposta pelo CNJ, e contaria com a participação obrigatória de empresas de consumo com um determinado nível de faturamento. Além de custear a plataforma, essas empresas pagariam honorários aos advogados em caso de solução prévia do conflito. Isso garantiria uma compensação justa para os profissionais e incentivaria uma solução rápida e eficiente.
O processo prévio seria formalizado, com apresentação fundamentada dos problemas pelo consumidor e resposta obrigatoriamente documentada da empresa, funcionando como um preparativo para uma eventual ação judicial. Isso garantiria que, caso o litígio chegasse ao Judiciário, já houvesse um histórico de tentativas de solução, facilitando a análise do caso pelo juiz.
Desafios e Limitações da Implementação
Um dos desafios mais comuns que podem ser levantados contra essa proposta é a alegação de que a obrigatoriedade da passagem prévia comprometeria o acesso à justiça. No entanto, argumenta-se que essa medida, na verdade, facilita o acesso à justiça, antecipando a resolução de problemas e permitindo que o Judiciário se concentre em questões que realmente demandam uma análise mais aprofundada. Mauro Cappelletti e Bryant Garth enfatizam que “a justiça não deve ser apenas acessível, mas também eficaz e célere, de modo que os direitos dos cidadãos possam ser exercidos em sua plenitude.”
Além disso, a proposta inclui uma flexibilização para casos que exijam uma resposta urgente, como tutelas antecipadas. Nesses casos, o consumidor poderia entrar com uma medida cautelar específica enquanto o processo prévio é conduzido na plataforma. Isso garantiria que direitos urgentes fossem protegidos sem comprometer a tentativa de solução extrajudicial.
Conclusão
Os meios de resolução prévia de conflitos oferecem uma resposta eficiente para os problemas da judicialização excessiva e fraudulenta no Brasil. Ao garantir que uma tentativa de conciliação ocorra antes de levar um litígio ao Judiciário, é possível não apenas reduzir o volume de processos, mas também assegurar que os casos que chegam aos tribunais sejam aqueles que realmente necessitam de uma intervenção judicial. A proposta de uma plataforma formalizada, com a participação de advogados e a documentação das tentativas de resolução, representa um caminho viável para promover uma justiça mais célere, acessível e eficiente.
A reflexão proposta neste artigo busca questionar a necessidade de uma revisão da forma como os litígios de consumo são tratados no Brasil. Uma sociedade que recorre em excesso ao Judiciário para resolver suas questões pode refletir uma incapacidade de encontrar soluções próprias, e a obrigatoriedade da passagem prévia representa um passo importante para mudar essa realidade, promovendo a verdadeira pacificação dos conflitos e valorizando o papel do advogado como mediador nesse processo.